A crise de 29 e a de 23: por que bancos em apuros são tão antigos quanto os próprios bancos
No Brasil, os problemas externos vieram se juntar à crise bancária provocada pelo rombo da Americanas, exercendo forte pressão no mercado de renda variável, como vêm mostrando as seguidas quedas do Ibovespa
Como todos os que acompanham as notícias do mercado financeiro sabem, nas últimas semanas o assunto em pauta tem sido quase sempre a crise que atingiu o sistema bancário mundial.
E que crise !
Quase não se fala mais em Covid-19, que tornou-se uma doença cíclica e previsível, pouco mais do que uma gripe forte.
A própria guerra russo-ucraniana só tem sido mais comentada por causa da visita do líder chinês Xi Jinping a Moscou.
Voltando ao assunto principal desta crônica, crises nos bancos são tão antigas quanto os próprios bancos.
No século XIX, por exemplo, época em que quase não havia grandes instituições com agências espalhadas por todo o país (estou me referindo aos Estados Unidos), as falências eram localizadas.
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Podiam acontecer em função de um assalto (como se vê nos filmes antigos de faroeste) ou até originadas em boatos (fundados ou infundados) que provocavam corridas.
Como se sabe, não há banco que resista a saques maciços, pois trabalham alavancados. Emprestam seus capitais várias vezes cumulativamente.
Porém, sendo episódios isolados, não afetavam o sistema. Apenas os depositantes daquela instituição.
O mesmo ocorria em outros países.
Por ocasião da crise de 1929, o governo e o banco central (Fed) americanos, alegando que se tratava de um problema do setor privado, não agiram a tempo de socorrer o sistema bancário, cujas instituições eram quase todas emprestadoras de dinheiro para os especuladores comprarem ações, geralmente exigindo em garantia essas próprias ações.
Resultado: nada menos do que nove mil bancos americanos faliram, sendo que sete bilhões de dólares simplesmente viraram fumaça, valor equivalente a US$ 160 bilhões nos dias de hoje.
Ou seja, a crise não se restringiu aos investidores e especuladores em ações. Gente que jamais investira um centavo na Bolsa, perdeu todas as economias.
Não foi à toa que a crise originada em Wall Street se espalhou pelo mundo, dando origem à Grande Depressão, ao ressurgimento do nazismo (que se começara no início dos Anos Vinte mas perdera grande parte de sua força) e à eclosão da Segunda Guerra Mundial, com um saldo macabro de mais de 50 milhões de mortos, entre civis e militares.
A crise nos bancos é coisa séria
Como se pode observar, crise bancária é coisa séria. E pode se tornar seríssima.
Após a Depressão, houve diversas fusões e aquisições de bancos, formando instituições cujas dimensões eram sua defesa.
Mesmo assim, e continuo falando dos Estados Unidos, volta e meia surge uma crise que precisa ser debelada antes que se transforme numa tragédia.
O maior exemplo disso foi o crash de 19 de outubro de 1987 na Bolsa de Valores de Nova York, crash no qual os índices Dow Jones e S&P500 (o Nasdaq já existia, mas não tinha a menor importância) perderam um quinto de seu valor em poucas horas.
Mais do que depressa, o presidente Ronald Reagan, o secretário do Tesouro, James Baker III, e o recém nomeado chairman do Federal Reserve Bank, Alan Greenspan, agiram para debelar a crise.
Reagan apelou aos CEOs das principais empresas norte-americanas para comprar, em mercado, suas próprias ações e entesourá-las. Baker pediu aos bancos para baixarem suas prime rates.
Finalmente Greenspan inundou o mercado de dinheiro, comprando Treasury Bonds.
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Relembrando caos do supbrime
Muito mais grave do que a crise de 1987 foi a do subprime. Esta durou de 2007 a 2010 e foi o pior momento da economia americana desde o crash de 1929 e a Grande Depressão dos Anos Trinta.
Tudo se deveu a uma bolha no mercado americano de imóveis, cujos preços subiram muito além do que seria razoável.
Por pura ganância e (por que não dizer?) visando gordos bônus de fim de ano, banqueiros procuraram os proprietários de casas, terrenos e propriedades rurais oferecendo-lhes aumentar o valor de suas hipotecas.
Quando, tal como acontece em todas as bolhas, os preços começaram a cair e, em seguida, despencaram ladeira abaixo, os imóveis passaram a ser devolvidos para os bancos.
Havia um risco sistêmico (ao qual se daria o nome de subprime) que poderia atingir todo o mercado financeiro, a começar pelas duas maiores companhias de crédito imobiliário, Fannie Mae e Freddie Mac.
Mais uma vez o governo, desta vez com George W. Bush (Bush filho) na Casa Branca, Henry Paulson na secretaria do Tesouro e Ben Bernanke no Fed, agiu com energia, concentrando-se na crise.
Tanto a Fannie Mae como a Freddie Mac foram estatizadas. Do mesmo modo que Greenspan em 1987, Bernanke inundou o mercado de liquidez, só que dessa vez por um longo período.
Mesmo empresas como General Motors e Chrysler tiveram suas ações adquiridas pelo governo federal.
Para isso, o Congresso aprovou a Bailout Bill, que disponibilizou os recursos necessários para essas compras.
A falência de bancos nos dias atuais
Talvez a quebra do banco Lehman Brothers tenha sido tolerada por Washington apenas para que Wall Street não passasse em branco pela crise, sem nenhuma punição a título de exemplo.
Por outro lado, as empresas socorridas pelo governo federal puderam reorganizar suas contas e, mais tarde, recomprar as próprias ações, voltando a ser privadas.
Iniciou-se então um período de pouco mais de uma década, na qual os sistemas bancários da maioria dos países desenvolvidos mostraram-se sólidos.
A inflação se aproximou de zero, assim como as taxas de juros, sendo que alguns bancos centrais (da Suíça e do Japão, por exemplo) passaram a praticar juros negativos.
Veio então a Covid-19, que desarranjou o sistema financeiro mundial, primeiro com uma farta distribuição de dinheiro a fundo perdido, depois tentando, sem sucesso, impedir a inflação resultante desse excesso de liquidez, agora através do aumento das taxas básicas de cada país.
Tendo emprestado dinheiro a juros baixíssimos, os bancos agora tinham de captá-lo pagando taxas altas. Resultado: as contas simplesmente não fecharam. Passivos ficaram descobertos.
Uma das primeiras vítimas foi o SVB (Silicon Valley Bank), com sede em Santa Clara, na Califórnia, que simplesmente faliu.
Ao invés de socorrer o banco, o governo americano preferiu honrar todos os depósitos, mesmo aqueles de valor acima de 250 mil dólares, que são garantidos pelo FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation) — agência federal cujo objetivo é justamente impedir calotes até esse montante.
Washington pagou tudo.
O próximo da lista americana é o First Republic Bank, de São Francisco, que só não quebra se for adquirido por outros bancos ou, tal como no caso do SVB, socorrido pelo governo.
Do outro lado do Atlântico Norte, a situação não é nem um pouco melhor. O vetusto Credit Suisse, com mais de um século de existência (foi fundado em 1856), teve de ser absorvido por seu grande rival, UBS.
Parece que, pelo menos no início, nem os acionistas do Credit nem os do UBS gostaram da transação. Tanto é assim que as ações dos dois bancos despencaram na Bolsa tão logo a fusão foi anunciada.
Aí temos um problema de dimensões e características diferentes dos casos americanos.
Enquanto os bancos dos Estados Unidos, incluindo o Federal Reserve Bank, pagam suas dívidas na própria moeda do país, na Suíça, o Credit Suisse e o UBS têm depósitos em dólares e euros.
O próprio meio circulante da Suíça é pequeno e o Swiss National Bank (banco central da nação alpina) não pode dar garantias ilimitadas aos depositantes de seus bancos, como é o caso do Fed, que tem o poder de imprimir dólares.
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A crise de crédito vem aí?
Ao contrário do que pensam alguns economistas de projeção, acredito que a inflação deixou de ser o maior problema mundial.
O essencial agora é evitar uma crise de crédito, crise essa que poderia levar o mundo à depressão.
No Brasil, esses problemas externos vieram se juntar à crise bancária provocada pelo rombo da Americanas, exercendo forte pressão no mercado de renda variável, como vêm mostrando as seguidas quedas do Ibovespa.
Acho importante que o Banco Central do Brasil esqueça por algum tempo as metas inflacionárias. Ou então que o Conselho Monetário as altere.
Por outro lado, é lamentável se constatar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não percebeu o que está acontecendo no mundo, principalmente no mundo ocidental, e aqui.
Lula continua perseguindo seus sonhos de recuperação da economia através de gastança desmesurada.
Se continuar com esse espírito, vai quebrar a cara. E nós vamos quebrar a nossa junto com a dele.
Um forte abraço,
Ivan Sant'Anna
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