Felipe Miranda: O que está acontecendo com o PIB?
O indicador cresceu 0,9% no segundo trimestre, superando a expectativa de consenso de 0,3% — e o agro não foi a única surpresa
Pouca gente sabe, mas minha especialidade mesmo é dor de garganta. Graduação em amidalite, mestrado em faringite. Formação exclusivamente derivada da experiência prática, claro. Durante a infância, as semanas em que eu não ia ao otorrino eram aquelas em que estava tomando os antibióticos receitados por ele.
Começava com a dificuldade para engolir. Depois, a tal “garganta raspando” virava uma coisa mais séria, vinha a febre e eu já conseguia imaginar os próximos passos: Cataflam, azitromicina (tinha alergia ao amoxil)…
Lá em casa, nimesulida a gente compra por kilo. A Raia Drogasil, que conhece bem os meus dados (ainda bem!), já me manda a newsletter para compra em um clique com uma oferta especial: "entregamos de balde”.
Lembrei disso primeiro por uma razão óbvia: não fui ao otorrino nesta semana, o que implica, estatisticamente, que estou sob efeitos da droga enquanto escrevo. E o segundo ponto me veio ao refletir sobre o PIB brasileiro divulgado na sexta-feira.
“This needs a little explanation”, diz a personagem de Ethan Hawke para seu filho em “Boyhood”, ao lhe entregar seu presente de aniversário, o álbum preto dos Beatles, produzido pelo próprio pai — uma mistura pós-Beatle do melhor de cada carreira solo. Essas situações cotidianas costumam oferecer ensinamentos valiosos. Isso também requer uma pequena explicação… já chego lá.
Não sei se ainda é assim, mas na minha época (sim, eu virei a pessoa que fala “na minha época”, desculpe) rolava uma lenda de que os formandos em Economia, se quisessem escrever uma carreira acadêmica minimamente consistente, precisariam estudar álgebra linear.
Leia Também
No crédito ou no débito? Ibovespa reage a balanços, Wall Street e expectativa com cortes de gastos
A narrativa era de que toda aquela história de inversão de matriz, base vetorial e afins seria cobrada na prova da Anpec. Então, como dois céticos que acreditavam em lendas uspianas, fomos eu e Rodolfo fazer um curso estrito de álgebra linear no IME (Instituto de Matemática e Estatística).
Mas, se você conhece a hierarquia da Academia, sabe que os economistas, que estudam em livros ridículos do tipo “Matemática para Economistas”, são ruins em matemática comparados àqueles que frequentam o IME — mais do que isso, são percebidos como ruins (não à toa, George Soros, que é filósofo e sempre quis o respeito intelectual do Karl Popper, por sua vez muito preocupado com epistemologia, batizou os economistas de invejosos da Física).
- LEIA TAMBÉM: Felipe Miranda: O ouro é o novo bitcoin?
Estava morrendo de medo para a primeira prova de álgebra linear. Comecei a me preparar alguns dias antes até que… garganta raspando, glote fechada, febre… aquela coisa toda.
Eu deveria ir ao médico, o que implicaria sair de casa, pegar 40 minutos de trânsito, mais 10 minutos para estacionar, esperar 30 minutos na recepção do hospital, ter 7 minutos de consulta, ir até o carro e demorar mais 40 minutos para voltar para casa. Ou seja, acabou o tempo que tinha para estudar. Tudo isso para recolher a tal receita de azitromicina, que eu já sabia precisar….
Apelei ao pragmatismo e liguei para o médico:
“Doc, o senhor já deve saber o motivo da ligação… tô com o problema de sempre. Dor de garganta, corpo judiado, febre. Tenho prova amanhã. Álgebra linear é dureza… Rola aquela receitinha?”
“Eu preferiria te ver. Você sabe que é o correto.”
“Sim, eu sei. O senhor tem toda razão. O senhor sempre tem. Mas é que…”
“Venha até meu consultório.”
Então tive que ir. Roteiro de sempre, com duas exceções: a consulta durou 6 minutos em vez dos 7 tradicionais e o trânsito na volta da Giovanni Gronchi estava especialmente caótico. O resultado? Azitromicina, claro, e um dia de estudo perdido.
Se fosse hoje, eu poderia ter feito uma consulta online. A telemedicina teria resolvido o meu problema em 6 minutos e talvez eu não tivesse errado aquela inversão de matriz.
As origens da surpresa do PIB
O PIB brasileiro cresceu 0,9% no segundo trimestre, contra uma expectativa de consenso de 0,3%. A grande surpresa veio, mais uma vez, do agro, cuja queda foi de 0,9%, enquanto se esperava um recuo da ordem de 5% depois da forte expansão do trimestre anterior e da queda no preço de commodities agrícolas.
Outro elemento surpreendente foi o consumo das famílias, com expansão de 0,9%, frente a um prognóstico de crescimento em torno de 0,5%.
Sob o resultado, o carrego estatístico aponta para uma evolução de 3,1% do PIB brasileiro neste ano — ou seja, se não houver crescimento nos demais trimestres, esse será o incremento deste ano. Vale lembrar que, no começo de 2023, as projeções apontavam uma expansão inferior a 1% neste ano!
É evidente a maior dificuldade de estimativa para o segmento agro — ele é tradicionalmente mais volátil e suscetível a questões climáticas. Também são sabidos os impactos extraordinários advindos dos estímulos pontuais ao setor automobilístico, a antecipação do abono salarial e o efeito do novo salário mínimo.
Ainda assim, é sintomático como o consenso tem subestimado o crescimento da economia brasileira — há três anos, começamos o ano projetando baixa expansão do PIB, passamos 12 meses revisando para cima as projeções e, mesmo assim, no final do processo os números se mostram melhores do que o esperado. Em três anos, subestimamos o crescimento brasileiro em cinco pontos percentuais.
Os modelos, claramente, não estão funcionando bem. A verdade é que modelos econométricos para variáveis macroeconômicas ou séries financeiras normalmente não funcionam bem mesmo.
Todo começo de ano as pessoas se debruçam sobre o relatório Focus para, 12 meses depois, checarem o quanto foram erradas as projeções. O mais curioso é que repetem o procedimento no ano seguinte!
A realidade é não ergódica, ou seja, não pode caber em planilhas de Excel ou coisas parecidas. Mas o tamanho do erro e, mais do que isso, o viés nas estimativas (erros sistemáticos numa determinada direção, no caso em subestimar o crescimento) chamam atenção.
Investimentos de Setembro: FII com retorno de até 17,6%, ação que pode valorizar 43% + 100 recomendações de investimento
Reformas ou cenário mundial: o que mais pesou para o PIB?
Um esclarecimento talvez desnecessário: se você leu atentamente, percebeu que o período contempla parte do governo Bolsonaro e parte do governo Lula, de tal modo que a análise é suprapartidária e apolítica. Dispensam-se considerações infantis do tipo “faz o L” ou “Volta Paulo Guedes”.
Há uma corrente importante de pensadores defendendo que o maior crescimento realizado no Brasil decorre das reformas macro e microeconômicas feitas desde o governo Temer, aprofundadas no governo Bolsonaro, cujos frutos estariam sendo colhidos agora. De fato, faz algum sentido. Boa parte das reformas institucionais e fiscalistas têm mesmo efeitos de longo prazo e vão aparecendo aos poucos.
No entanto, se você olha para a economia global, com exceções aqui e ali, percebe se tratar de um fenômeno mais amplo, que transborda nossas fronteiras. A economia mundial também tem, sistematicamente, crescido mais do que o esperado. A tal recessão americana que viria em 2023 não atendeu o discurso dos pessimistas.
Poucos seriam capazes de antecipar um impacto material tão pequeno sobre a economia de um aperto monetário tão vigoroso lá fora — o juro básico norte-americano saiu de zero para 5,5% e a economia continuou crescendo. Não me parece que a reforma da previdência brasileira esteja afetando o PIB global… Deve haver alguma outra coisa acontecendo.
- Como poder ganhar em dólar sem precisar falar inglês nem morar nos Estados Unidos? Conheça a estratégia mais eficiente clicando aqui
Existem tentativas de explicação para esse comportamento. Ainda estaríamos sob os impactos de uma política fiscal expansionista, que entra como PIB agora e vai cobrar seu preço lá na frente; as pessoas ainda estariam gastando o excesso de poupança acumulado na covid; os juros por muito tempo ficaram em patamares muito baixos, onde os efeitos da política monetária são menores (algo como uma armadilha de liquidez).
Suspeito que a covid possa ter acelerado mudanças importantes em prol de maior produtividade, seja dentro do mercado de trabalho ou no sentido de reduzir o custo e o tempo atribuído a uma porção de tarefas — com a proliferação do Zoom e do Teams, muitos deslocamentos puderam ser evitados, por exemplo; não estou dizendo que todas as reuniões presenciais podem ser substituídas, mas muitas delas podem.
A telemedicina, por exemplo, pode ter catapultado a produtividade do setor de saúde — e evitado que alguns alunos perdessem dias importantes de estudo em seu deslocamento até a consulta.
Muita automatização foi também acelerada e isso talvez seja só o começo diante das múltiplas possibilidades da inteligência artificial. Você vai fazendo pequenos avanços setoriais, desatando um nó aqui e outro ali, quando vê a produtividade agregada aumentou bastante.
Em seu último artigo na Folha, Samuel Pessoa lança uma hipótese auspiciosa: “o que surpreende mais é a trajetória da desinflação. Com o crescimento do gasto público em uma economia com desemprego muito baixo, era de esperar que a inflação de serviços não caísse.
É possível que a taxa de crescimento da produtividade do trabalho seja maior do que imaginamos. É impossível saber com antecedência.
As próximas leituras da inflação serão o teste dessa tese. Se a desinflação de serviços persistir por mais alguns meses, mesmo com a surpresa positiva na atividade e com o mercado de trabalho forte, será sinal de uma elevação do crescimento potencial da economia.”
Essa seria uma notícia muito poderosa, pois significaria um crescimento de médio e longo prazo mais alto. É muito difícil dizer por enquanto, mas, em se confirmando a hipótese, a conjuntura cíclica favorável, muito estimulada por queda de juros, poderia se tornar algo um pouco mais estrutural.
Campos Neto vai estourar a meta de inflação? Projeções para o IPCA ficam acima do teto pela primeira vez em 2024; veja os números da Focus
Se as projeções se confirmarem, Gabriel Galípolo herdará de Campos Neto a missão de explicar ao CMN os motivos da inflação fora da meta
O saldão da eleição: Passado o segundo turno, Ibovespa se prepara para balanços dos bancões
Bolsas internacionais repercutem alívio geopolítico, resultado eleitoral no Japão e expectativa com eleições nos Estados Unidos
Agenda econômica: Payroll e PCE nos EUA dominam a semana em meio a temporada de balanços e dados Caged no Brasil
Os próximos dias ainda contam com a divulgação de vários relatórios de emprego nos EUA, PIB da zona do euro e decisão da política monetária do Japão
Petrobras (PETR4) anuncia que vai retomar projeto de unidade de fertilizantes parado desde 2015; investimento é estimado em R$ 3,5 bilhões
A estatal não detalhou em qual estágio está a implantação da unidade, localizada no Mato Grosso do Sul, mas estima que início da operação será em 2028
BRICS vai crescer: 13 países são convidados para integrar o bloco — e, após negativa do Brasil, Venezuela recorre a amigo para ser chamada
Em 1º de janeiro deste ano, países como Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã passaram a fazer parte do grupo
A história não acaba: Ibovespa repercute balanço da Vale e sinalizações de Haddad e RCN em dia de agenda fraca
Investidores também seguem monitorando a indústria farmacêutica depois de a Hypera ter recusado oferta de fusão apresentada pela EMS
O banco é da Dilma? A oferta que Putin fez ao Brasil e que dá à ex-presidente US$ 33 bilhões para administrar
Dilma Rousseff virou “banqueira” pela primeira vez quando assumiu a chefia do Novo Banco de Desenvolvimento, em março de 2023
Uma carona para o Ibovespa: Mercados internacionais amanhecem em alta, mas IPCA-15 ameaça deixar a bolsa brasileira na beira da estrada
Além do IPCA-15, investidores tentam se antecipar hoje ao balanço da Vale para interromper série de cinco quedas do Ibovespa
Tudo incerto, nada resolvido: Bolsas internacionais amanhecem no vermelho e dificultam a vida do Ibovespa em dia de agenda vazia
Fora alguns balanços e o Livro Bege do Fed, investidores terão poucas referências em dia de aversão ao risco lá fora
FMI eleva projeção de crescimento do Brasil neste ano, mas corta estimativa para 2025; veja os números
Projeções do FMI aparecem na atualização de outubro do relatório Perspectiva Econômica Mundial (WEO, na sigla em inglês), divulgado hoje
Agenda fraca deixa Ibovespa a reboque de Wall Street, mas isso não espanta a possibilidade de fortes emoções na bolsa
Andamento da temporada de balanços nos EUA e perspectivas para o rumo dos juros pesam sobre as bolsas em Nova York
Em ano difícil para os Fiagros, fundo com menos de 500 cotistas salta 23% e registra o maior retorno de 2024
Considerando 39 fundos do tipo atualmente em funcionamento na CVM e outros três em fase pré-operacional, apenas oito têm retorno positivo em 2024
Interpretando a bolsa com Djavan: as recomendações para o fim de 2024 e balanços dominam mercados hoje
Com a agenda relativamente mais esvaziada, os investidores precisam ficar atentos à temporada de resultados e indicadores desta semana
Agenda econômica: Prévia da inflação do Brasil, temporada de balanços e Livro Bege são destaques da semana
A temporada de balanços do 3T24 no Brasil ganha suas primeiras publicações nesta semana; agenda econômica também conta com reuniões do BRICS
É o fim dos benefícios tributários? Entenda a medida do Ministério da Fazenda que pode proibir governos de dar incentivo fiscal
O endurecimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) pode impactar cerca de 300 cidades que, atualmente, não respeitam o equilíbrio de caixa e dívidas a pagar
Quem faz 18 anos entre os turnos das eleições 2024 também é obrigado a votar. E agora? Saiba os próximos passos
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o voto é obrigatório para cidadãos entre 18 e 70 anos — e facultativo para maiores de 70 e jovens entre 16 e 18 anos
O que falta para o gringo voltar a investir no Brasil? Só a elevação do rating pela Moody’s não é o suficiente, diz chairman da BlackRock no país
À frente da divisão brasileira da maior gestora de investimentos do mundo, Carlos Takahashi falou sobre investimento estrangeiro, diversificação e ETFs no episódio desta semana do podcast Touros e Ursos
Vale virar a chavinha? Em dia de agenda fraca, Ibovespa repercute PIB da China, balanços nos EUA e dirigentes do Fed
PIB da China veio melhor do que se esperava, assim como dados de vendas no varejo e produção industrial da segunda maior economia do mundo
Inteligência artificial pode alavancar crescimento global, mas não é bala de prata; veja o que mais deveria ser feito, segundo a diretora do FMI
Antecipando-se às reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional na semana que vem, Kristalina Georgieva falou da necessidade de regular a IA, fazer reformas e ter cautela com a dívida pública
Lula vai ‘pegar’ os R$ 8,6 bilhões esquecidos pelos brasileiros — mas governo dá mais 6 meses para resgate do dinheiro; saiba como solicitar os valores a receber
Caso alguém tenha perdido o prazo para sacar o “dinheiro esquecido”, ainda será possível realizar em até 30 dias a contestação do recolhimento dos recursos